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NO CORAÇÃO DO MAR (In the heart of the sea)



Por Tiago Lira

Uma história com um personagem tão grandioso parece ter sido feita para ser apresentado na tela do cinema. No Coração do Mar é uma produção visualmente arrebatadora, assim como o seu design de som e tantos outros elementos como a fotografia e o design de produção. A base para a história de Moby Dick é de uma época nefasta, que dava glórias em caçar esses seres tão belos. Na narrativa, Ron Howard conta aventuras, soberbas, desesperos e redenções, pintando a tela do cinema como uma pintura bucólica e triste na maior parte do tempo. Se era melhor contar o mito à realidade, como diz o ditado popular, fica a cargo do espectador. Agora, por causa da popularidade do cinema, podemos ter os dois.

Howard monta um cenário muito rico visualmente na visita de Herman Melville (Ben Whishaw) a Thomas Nickerson (Brendan Gleeson). Um está buscando inspiração para a história que viria a ser Moby Dick; o outro, não querendo contar essa história, se esconde por trás de garrafas vazias que estão assim pelo fato do marujo beber todas, para depois transformá-las em arte com os navios em miniatura que coloca dentro delas. Interessante que, simbolicamente, Nickerson guarda sua vida dentro das garrafas, assim como esses pequenos navios, a ponto de não compartilhar suas experiências com ninguém, nem mesmo a esposa (Michelle Fairley).

Dividindo com eficácia os três atos da história, Howard leva a audiência junto com o Essex nos seus momentos de glória e desespero. Sabendo que o interessante é a aventura no mar o roteiro leva pouco tempo em solo, apenas o suficiente para conhecermos os motivos de Owen Chase (Chris Hemsworth) e George Pollard (Benjamin Walker) tem para embarcar e, eventualmente, voltar para casa. Owen será pai logo e tem que aceitar outro trabalho como imediato por causa de uma promessa quebrada. George se torna o capitão do Essex tão somente por seu nome. O diretor frisa bem a diferença entre os personagens quando percebemos as cicatrizes e marcas que Chase carrega em oposição ao seu capitão de cara mais limpa.

O início então é mais lento, como deveria ser uma longa jornada mar à dentro, o que dá tempo de incluir algumas tomadas inexpressivas como os donos da nave observando seu negócio velejando para longe. Um problema bem grave e que acompanha não só esse início, mas praticamente toda a história, é a música de Roque Baños. Não por não ser marcante, mas por estar presente em praticamente todos os momentos da narrativa. Durante os quase 120 minutos de projeção, a trilha do compositor espanhol não sairá dos seus ouvidos, mostrando que não se soube usar o silêncio, o que também é culpa de Howard.

Voltando aos temas visuais, a fotografia de Anthony Dod Mantle traz oposições nos diferentes mundos. Usando uma paleta de cores variada, que passa do dourado até o cinza, o diretor de fotografia conta a história também por cores. Num dos extremos vemos cores fortes na casa de Owen e sua esposa, o mesmo tom de quando a tripulação está no mar e consegue sua primeira caça. No meio do caminho há um tom ainda amarelado, porém pálido, que aparece no marasmo do Essex ficar meses sem avistar uma baleia sequer. Já o cinza está predominantemente na cidade tão avessa a Owen.


E é importante mencionar que até metade do filme não conhecemos a protagonista – contada do ponto de vista do jovem Nickerson (Tom Holland). A Grande Baleia branca é representada como uma verdadeira força bruta da natureza. Apesar da cor predominante clara, os responsáveis pelo seu design deixaram marcas que lembram camuflagem, como se ela estivesse preparada para a guerra. Além das várias feridas que apresenta ao longo do gigantesco corpo. E é impossível deixar de notar como esse episódio influenciou o jeito de contarmos histórias até hoje. Além de inspirar o próprio Herman Melville a escrever seu livro mais famoso, podemos encontrar ecos até mesmo em filmes como Rambo – a frase do filme de Stallone “é ele que está nos caçando” tem inegável inspiração na epopeia da destruição do Essex.

Celebrando algo odioso – a glorificação é errada, mas é um retrato da época – e escorregando em tornar os personagens mais carismáticos No Coração do Mar se destaca menos que o conto que inspirou. Os detalhes da produção valem a pena ser apreciados e serve também de estudo de um estudo de caso enquanto ouvimos um papo marítimo que parece realista e alguns detalhes da extração do óleo de baleia. As partes mais interessantes ficam por conta dos ataques do cachalote, sem dúvida. É uma pena que o visual supere a história em si, que perde um pouco de credibilidade até quando insiste em adiar a decadência do visual de um personagem que ficou meses à deriva apenas pela conservação da sua imagem de galã. Não é exatamente uma depreciação, mas ficou menos cru e realista que o resto do filme tanto pregou.


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