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ENTRE NÓS


por Tiago Paes de Lira

Fugindo de uma visão maniqueísta ou parcial, Paulo e Pedro Morelli – pai e filho – criam um universo riquíssimo em Entre Nós. O filme é um misto de suspense e nostalgia que prende a atenção e emociona, e é dotado de uma doçura dos laços de amizade, e como eles podem ser quebrados. A qualidade do drama brasileiro atual se confirma nessa produção que, apesar de tão pessoal, tem um aura espontânea e verdadeira, mas sem deixar de lado os sentimentos do público.

Os amigos e escritores Felipe (Caio Blat), Lucia (Carolina Dickman), Silvana (Maria Ribeiro), Gus (Paulo Vilhena), Cazé (Júlio Andrade) e Drica (Martha Nowill) se reúnem numa casa de campo para desenterrar uma cápsula do tempo feita dez anos antes com as cartas de cada um, inclusive do amigo morto nessa época, Rafa (Lee Taylor). Suas vidas estão mudadas, e esse reencontro traz à tona velhas lembranças e um desconforto especial para pelo menos um deles.

O cenário proposto no filme traz algo de paz. Porém, num lugar isolado, parece que a consciência fala mais alto. A presença dos amigos, que deveria ser um momento de alegria, é um peso para Felipe. Logo na primeira cena, ele está naquele cenário imenso, mas isolado – sensação aumentada pela razão de aspecto – fumando um cigarro trêmulo, escondido atrás de grandes óculos pretos. E é hora de entender por quê.

O flashback de 1992 mostra um cenário diferente. Mais sorrisos, uma câmera na mão mais livre e uma fotografia cálida mostram jovialidade e esperança desses amigos numa confraria de autores com esperanças e sonhos. Imagens que, de certo modo, morrem com Rafa. Toda essa mudança é representada poeticamente durante o reencontro, na fotografia pálida, na câmera fixa, na seriedade do figurino de alguns dos amigos e principalmente na árvore que antes cuidava, por assim dizer, da pedra que marca o lugar da cápsula do tempo, e que em 2002 não está mais lá.

Há uma disparidade latente entre esses amigos, com problemas não resolvidos, e os dois Morelli colocam isso no meio de perguntas não respondidas. Por exemplo, por Lucia ser a esposa de Felipe, mas há dez anos ter sido namorada de Gus. Isso pode levantar questionamentos, como se seria ela interesseira e ficou com Felipe por causa de seu sucesso literário. Ainda assim, todos se gostam muito. Principalmente as moças, que dão a liberdade de xingarem umas às outras sem que isso seja um problema.

Mas existe a tensão que é apresentada no começo do filme. Digno de outros mestres do suspense, a trama vai se fechando no culpado mais e mais. Agatha Christie dizia por meio de seu personagem Hercule Poirot que basta você deixar que um mentiroso fale e ele eventualmente se entregará.

Por ser um filme de suspense, é necessário entrar um pouco na trama para fazer a análise. O mistério já é entregue de bandeja no trailer, infelizmente. Mas no filme não demora para entender que Felipe roubou o livro ainda recém-finalizado de Rafa depois do acidente de carro que os dois sofreram. Ele ganha fama e dinheiro, mas é perseguido pelo que o amigo pode ou não ter escrito na cápsula do tempo. Isso se torna uma paranoia, e ele se entrega só falando um pouco aqui e ali. Interessante que a primeira a desconfiar, inconscientemente, é Silvana, numa cena com um plano longo e com um sino ao fundo, como se ela despertasse pela primeira vez. Então, Felipe acha que todo comentário é sobre ou contra ele, o que não deixa de ser parecido com a paranoia do protagonista de O Coração Revelador (Edgar Alan Poe): Rafa é um fantasma que atormenta Felipe.

Seguro na história que contam, os Morelli não julgam e abrem espaço para os outros personagens da trama serem tridimensionais com seus anseios de dúvidas. Felipe não é um vilão superficial, por isso existe mais uma cena de flashback, desta vez no fim do segundo ato, mostrando que ele tentou salvar a vida do amigo, e o rascunho do livro veio junto por consequência. Ao montar e editar o rascunho em forma de livro além de ideias num papel, Felipe acredita com fervor ter direitos à obra, considerando-a parte dele, pois incentivava o amigo a escrever e melhorar. A cena sabiamente foi colocada não no começo porque o espectador – representado por Lucia dentro do filme – já sabe que Felipe vive uma mentira e possivelmente se apressou a julgá-lo. A história mostra mais um aspecto de cinza.

Os diretores não se esquecem dos outros personagens do núcleo, cada um com suas angústias. Drica querendo ser mãe, enquanto Cazé não; a visão autodepreciativa de Gus, que se vê sempre como alguém que não faz nada certo; Lucia, que por causa da farsa de Felipe cai numa espiral de dúvidas; e Silvana não parece se encaixar mais no grupo, principalmente por ter perdido seu par, por assim dizer.

Além de tudo isso, o filme é uma produção original num mar de continuações, remakes e adaptações e impecável tecnicamente. A fotografia de Gustavo Hadba tem poucas, mas excelentes nuances, e consegue fotografar lindamente cenas noturnas, visto principalmente quando Felipe se entrega e, um pouco mais a frente, quando Gus e Lucia se entregam. E o largo aspect ratio 2.39:1 fogem do estigma que a produção nacional tem com a TV, tão comum nas comédias do Brasil.

Entre Nós é um filme cheio de poesia. Os Morelli gostam de trabalhar com metáforas, e é divertido analisa-las. Além do já citado sino, há uma cena de jantar que antecede a retirada da pedra, cheia de closes fechados e tensos. E a belíssima cena em que Drica e Gus discutem sobre depressão enquanto vão descendo um barranco. Na conclusão, os dois estão mais leves e se ajudam a subir de volta. A mais forte, ainda que menos clara, é a do besouro, que aparece três vezes durante a projeção. Em entrevistas, Paulo Morelli já foi perguntado mais de uma vez o que esse símbolo quer dizer, e ele sempre devolve a pergunta, o que não deixa de ser a função da crítica. Tanto Felipe como o besouro de costas estão presos na sua situação, e não conseguem sair delas sozinhos. É necessário um agente externo, um empurrão para que isso aconteça. Mas depois de tanto passar, tanto saber, como voltar para a sua vida normal? De novo, pai e filho na direção não dão as respostas mastigadas, mas deixa-nos imaginar dentro desse doce e triste universo. Seja lá como for, uma coisa é certa: no fim, ninguém sai incólume. Nem os amigos, nem nós, o público.


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ENTREVISTA: SOS Mulheres ao Mar

Beto Besant entrevista o elenco do filme SOS Mulheres ao Mar: Giovanna Antonelli, Emanuelle Araújo, Marcelo Airoldi, Fabiula Nascimento e Thalita Carauta.


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NINFOMANÍACA 2 (Nymphomaniac)


por Tiago Paes de Lira

Ao fim da sessão de Ninfomaníaca – Volume 2, é notório que seria melhor assistir as duas partes do novo filme de Lars von Trier juntas. No máximo, com um intervalo de quinze minutos entre uma e outra, pois fica claro que a história não foi pensada para ser dividida. Apesar disso, a segunda parte – ou melhor, o terceiro ato – tem um ritmo melhor e mais interessante. Essa indesejada quebra deve servir de incentivo para assistir o filme completo e sem cortes, como era a ideia do diretor.

Nessa parte, Joe (Charlotte Gainsbourg) continua contando suas experiências para Seligman (Stellan Skarsgård), focando agora na perda de sua sexualidade e na busca por reavê-la de qualquer jeito, concluindo com os últimos três capítulos: “A Igreja Ocidental e a Oriental (O Pato Silencioso)”, “O Espelho” e “A Arma”.

ATENÇÃO: Essa crítica não é recomendada para menores de 18 anos e contém spoilers do Vol 1.

Primeiro, uma sugestão: reveja o volume 1 antes de partir para o 2 com o menor tempo diferença possível. O problema do corte entre um outro é perceptível logo nos primeiros dois minutos de projeção do segundo filme. A cena final do volume 1 mostra a jovem Joe (Stacy Martin) chorando depois de se reconciliar com Jerôme (Shia LaBeouf). Fica a impressão que o sentir nada que ela expressa é em relação à ele. Mas ela admite logo depois que tinha perdido era, literalmente, o tesão. Depois de centenas – milhares? – encontros sexuais, as relações normais não satisfaziam mais a Joe. Por isso a tristeza, mas isso passa despercebido com a distância entre os filmes.

Vendo um filme perto do outro, você notará as constâncias do diretor: a diferença entre os flashbacks, que continuam tensos, e a tranquilidade da câmera no tempo presente, onde Joe se sente segura, e também análise e paralelos que Seligman faz. Existe um curto ponto de virada onde Joe consegue arrancar do solteirão que ele nunca esteve com uma mulher – ou um homem – o que vai justificar no flashback a leitura sexual que Joe consegue fazer. Interessante que nessa contra-analise é Seligman que ganha o foco momentâneo da câmera, que vai se aproximando cada vez mais da cara redonda do personagem.

De novo, o espectador mais atento vai notar a questão do corte que chegou ao Brasil, mas de menor expressão. Na cena em que Joe e Seligman divagam sobre um ícone russo que representa o nascimento de Jesus, existe um pulo de um momento para o outro. Existem duas percepções que podem ser aplicadas: a primeira é para encurtar pouco a pouco o filme, já que parece que ali havia uma contemplação ou um diálogo mais longo sobre o assunto que se perdeu; o outro está na própria filmografia do diretor. Em Anticristo (Antichrist, 2009), por exemplo, esse tipo de montagem chamada visível – onde a intenção é exatamente essa, notar que o que vemos não é a realidade, mas sim uma representação dela – aparece mais de uma vez. Mas no filme de 2009 ela parece com mais propósito. Seria necessário uma comparação mais profunda, mas valerá a pena rever ambos os filmes para notar isso.

Aliás, o diretor homenageia a própria filmografia em outro momento. Quando Joe – já envelhecida para ser a personagem que conta a história para Seligman – tenta reaver seu desejo perdido se entregando ao sadismo de K (Jamie Bell), ela chega ao extremo de deixar o filho sozinho em casa sem supervisão nenhuma. Nisso, a criança sai do berço numa noite que neva e começa a tocar ao fundo Lascia ch’io pianga, de Handel, a mesma música que foi usada em Anticristo quando o bebê do casal cai da sacada e morre. Sendo o diretor que é, von Trier não se repete, mas cria uma tensão pra quem conhece seus filmes.

A relação entre Joe e Jerôme cria escalas sem precedentes. Por um momento, ele cede à personalidade dela, comparando-a com uma tigresa que precisa ser alimentada e consente que ela tenha outros encontros sexuais para se satisfazer. Ela até pede carinhosamente “preencha todos os meus buracos”, e ele admite que não consegue. Parece por um momento que ele tem uma alma altruísta e que se sacrificaria pelo seu grande amor. O que não dura muito tempo, e o que dá corda para Jerôme fazer certas chantagens emocionais.

O sexto capítulo é o de maiores mudanças na protagonista. O desespero por perder a sua sensibilidade a leva ser esquecida, por isso a gravidez, e o envelhecer rápido. Num período de três anos depois do parto, a personagem deixa de ter a fisionomia de Stacy Martin para a de Charlotte Gainsbourg, ainda que as atrizes tenham quase 20 anos de diferença. Não veja isso como um exagero, porque a intenção do diretor foi evidenciar o que a perda da essência de Joe fez. Algo que ela tinha desde criança e uma ligação num misto de divino e profano. O maior paralelo que Lars von Trier faz nessa passagem de tempo é não mudar o ator que interpreta Joe. Apesar do mesmo tempo passar para os dois, Jerôme ainda tem a cara de Shia LeBouf.

É satisfatório ver a capacidade de von Trier em criar personagens interessantes. Pela duração do filme, isso acontece mais de uma vez. O já citado K tem um jeito tão peculiar de cuidar de suas cadelas, num misto de dominação, dor e respeito que é espetacular. Quando conhecemos o masoquista, notem que nenhuma das mulheres que são atendidas por ele trocam olhares, numa relação de submissão que chega ao ponto dele chamar Joe de Fido – e dar outros apelidos pejorativos às outras mulheres. Ao mesmo tempo em que ele gosta de infligir dor, K tem um carinho distorcido com elas: as ajuda a se despirem, pede um período de descanso para que se recuperem e tem chicotes separados para cada uma delas. É um personagem perturbado que leva Joe à um novo patamar de sua sexualidade. A cena de preparação do espancamento que a protagonista está prestes a levar apenas poderia ser mais longa. A demora para começar e a expectativa do que viria seria muito mais agonizante para o público.

E finalmente temos P (Mia Goth), dotada de uma beleza incomum e inocente. Quando não consegue se adaptar a um emprego normal e entender que a sociedade não a aceitaria, Joe abraça seu lado masculino. Ela trabalha como coletora de dívidas por sugestão de L (Willen Dafoe), um trabalho que é majoritariamente ocupado por homens, e se envolve com P. Essa é outra perversão, diferente da de K, mas também questionável porque a ninfomaníaca cuidou de P desde antes ela se tornar uma mulher. O que era um negócio – onde Joe passaria seu ofício quando P fosse mais velha – virou uma paixão que pela primeira vez lhe trouxe ciúmes.

O que temos neste filme é a busca que muitas outras obras repetiram. Joe procura seu lugar no universo, fora das amarras clássicas da sociedade, representada por uma árvore distorcida, pendendo ao abismo – momento em que a música original aparece pela primeira vez no filme – numa linda relação que ela teve com o pai (Christian Slater). Ela diz nos primeiros momentos da primeira parte que é uma pessoa horrível, e conta sua história para que Seligman a julgue em relação à isso.

Portanto, o ponto-chave dos dois volumes de Ninfomaníaca é exposto claramente na fala de Seligman: a sociedade não se chocaria tanto se Joe fosse um homem. E pela primeira vez todos entenderão por que uma mulher tem um nome masculino. É verdade que atualmente é mais aceitável que um homem transe com inúmeras mulheres ou com mais de uma ao mesmo tempo. Ao trazer uma mulher como protagonista, Lars von Trier dá uma tapa na cara de muita gente. As decisões de Joe foram dela e somente dela. Um dos maiores méritos do filme é a dificuldade de prever o final. Claro, pela nome dos capítulos sabemos que é uma tragédia. Mas a construção de cena dá várias possibilidades, o que não deixa de ser uma surpresa. E o demérito fica pelas cenas de sexo explícito, ainda questionáveis. Os dois filmes devem ser vistos como um só para uma nota mais justa. Por enquanto, fica essa melhora substancial que, agregada à primeira, sem dúvida melhora a experiência. Agora é esperar para a oportunidade de assistirmos tudo de uma vez e confirmar se o sentimento é esse real.


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MINUTOS ATRÁS


por Beto Besant

"Cinema é imagem" - máxima cinematográfica quase unânime que provavelmente encabeçaria "Os Dez Mandamentos do Cinema", se existisse tal lista, vez ou outra é posta em cheque por cineastas que buscam um caminho mais autoral ou pelos egressos do teatro. Aqui temos um bom exemplo de como regras podem ser quebradas por quem tem talento.
Em Minutos Atrás, Alonso (Vladimir Brichta) e Nildo (Otávio Muller) são mendigos que seguem pela estrada com uma carroça puxada pelo cavalo Ruminante. Nessa viagem, que não tem caminho determinado nem destino, os amigos reavaliam suas vidas pregressas e futuras, sendo testados sobre suas convicções e capacidade de resiliência. O cavalo Ruminante é interpretado pelo ator/cantor Paulinho Moska que por vezes é revezado com o animal real.

Dirigido pelo poeta e dramaturgo Caio Sóh (que estreou no cinema com o filme Teus Olhos Meus, de 2011), o longa-metragem é uma adaptação de sua peça teatral homônima e consegue um belo resultado na telona. Os atores estão impecáveis em papéis que facilmente poderiam cair no caricato. Um exemplo disso é que o filme consegue uma justificativa para que Brichta pinte o rosto de branco, como numa maquiagem teatral, de forma bem verossímil. Moska alcança um bom resultado em sua interpretação de cavalo.
 
Os pontos fortes são a fotografia - muito precisa e interessante, ao colocar os personagens coloridos em paisagens preto e branco e a direção de arte - rica e detalhista naqueles personagens miseráveis.
 
O grande problema do filme foi a opção do diretor em manter a narrativa teatral da peça, onde há um excesso verborrágico. Apesar dos diálogos interessantes, chega um momento em que precisamos lutar a todo custo para não perdermos a atenção no que eles dizem. Para piorar, a trilha sonora de André Abujamra e Paulinho Moska opta por sonorizar o filme a ponto de não deixar um minuto de "respiro" (ou de descanso aos ouvidos), o que somados resultam em algo cansativo.
Esta fábula poderia ser entendida como se os dois amigos fossem aspectos de uma mesma pessoa - Alonso a face mais esperançosa e alegre e Nildo a face mais melancólica e desiludida. A viagem pode ser interpretada como nossa existência e suas dificuldades, que nos propulsiona a enfrentar as dificuldades diárias.

Por vezes acontecem tentativas de subverter a máxima citada no início do texto, o que raramente resulta de forma positiva. Mas este filme consegue mesclar teatro e cinema de forma bastante interessante.


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