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O TEOREMA ZERO (The Zero Theorem)


por Tiago Paes de Lira

Em O Teorema Zero Terry Gilliam e Pat Rushin constroem um universo ao mesmo tempo familiar e distópico. Chamado pelo diretor a parte final de uma trilogia – que começou com Brazil (Brazil, 1985) seguido por 12 Macacos (12 Monkeys, 1995) – enxergamos na tela um futuro triste, e que tem muitas similaridades com o nosso presente. Cheio de questionamentos e difícil de ser assimilado, não é tão interessante quanto o trabalho de 1995. Mas por estarmos mais próximos dessa realidade, é assustador perceber que o caminho que muitos seguimos é exatamente o retratado.

Qohen Leth (Christoph Waltz) é um gênio recluso que trabalha para a gigante corporação Mancon. Seu trabalho consiste em “processar identidades” numa máquina tão estranha quanto o termo. Ele sofre de uma angústia emocional provinda de um telefonema que ele espera todos os dias. Ao pedir para trabalhar em casa, e assim esperar a ligação, a Gerência (Damon) o coloca num programa que muitos já falharam. O Teorema Zero é uma equação que Qohen não sabe do que se trata, mas o possibilita esperar pela ligação que, acredita ele, lhe mostrará o propósito da vida.

Nessa ficção científica, não temos certeza quanto no futuro se passa. Mas o visual orwelliano lembra um “futuro usado” – termo que George Lucas usou bastante no universo Star Wars – e elementos presentes na nossa sociedade hoje dão uma dica de que essa é uma realidade não tão longe da nossa. É uma era de hiperinformação e propaganda para todos os lados. Os anúncios inclusive perseguem os transeuntes, como uma internet ruim dos anos 1990, cheia de pop-ups que não são direcionadas a você, como vemos no banner móvel que Qohen tenta desesperadamente se desvencilhar na rua, e o chama de senhora. Na festa de Joby (David Thewlis) todos os convidados estão entretidos com seus tablets e com as próprias músicas, inteirando-se apenas online. O pico do esdrúxulo é quando uma pessoa resolve tirar uma foto de Qohen engasgando ao invés de ajuda-lo.

Nesse mundo de várias cores esdrúxulas Qohen é o único sóbrio, como podemos ver no seu figurino sempre preto em contraste aos das pessoais normais – ou melhor, conformadas – e na sua antissocialidade extrema. Ele mora numa igreja, apesar de não ter a fé católica, e lá ele tem paz. Notem que pela primeira vez que o vimos saindo de lá, Qohen tem um momento de hesitação antes de abrir a porta. E com razão, pois o lado de fora é cheio de barulhos e muita luz. E sentimos isso junto do personagem, pois Gilliam consegue nos deixar junto de Qohen naquele seu universo particular.

É interessante o modo que o trabalho de Qohen funciona. Ele tem que controlar um joystick enquanto pedala no que parece ser uma bicicleta ergométrica. Não fica claro o que quer dizer isso, mas também não importa, pois Gillian faz uma crítica às grandes corporações que cada vez mais pedem que seus funcionários façam tarefas simultâneas. Mesmo que já existam estudos que mostram que o chamado multitasking não existe.

Gillian e Rushin apresentam também a busca pela felicidade, por aquilo que pode completar uma pessoa. Qohen se sente assim com Bainsley (Mélanie Thierry), mesmo que só consiga num mundo virtual, onde em determinado momento ele diz que naquela realidade, os dois poderiam ficar juntos para sempre. E o instinto paternal aflora com o irritante – como qualquer adolescente – Bob (Lucas Hedges), que é tão genial quanto Qohen, mas que tenta fugir das amarras do pai verdadeiro, a Gerência.

A ciência tem um papel profundo na tela de Qohen, pois vemos infinitas equações matemáticas na tela de trabalho dele. Mas Gilliam tem competência suficiente para não perder tempo com explicações ao espectador, o que deixa o filme dinâmico. Há também um pouco de tempo para comédia, representado pelos dois clones que não iguais entre outros momentos que parecem pequenos sketches saídos de Monty Pyton.

Fé e religião também são questionadas no filme. Assim como hoje, a religião é pervertida em mercadoria que muitos usam para abocanhar uma fatia. O cristianismo não te agrada? Ora, temos a Igreja do Batman (pelo menos naquele futuro)! Apesar de Qohen morar numa igreja, ele tem sua própria fé que não tem nada a ver com os altares que o rondam. Crer no telefone, de certo modo, é o que o fez se manter ativo e alerta. Até a femme fatale que é Bainsley mostrar que existe felicidade fora daquele mundo compacto entre a tela e o telefone. Por isso é compreensível a atitude do personagem quando é traído, por assim dizer. É a primeira vez que ele experimentou a sensação, e reagiu muito mal.

É bom ver que o filme lida com questões existenciais, como amor, conceito de alma e do fim de tudo. Com um aparente receio de não serem entendidos, Gilliam e Rushin explicam o que está acontecendo ao invés de deixar para a imaginação da plateia. É o caminho mais fácil, mas há outros elementos em discussão que ficam permeando a nossa mente até durantes os créditos quando ouvimos a voz de Bainsley, o que lembra vagamente a despedida de Samantha em Ela (Her, 2013, Spike Jonze).

O Teorema Zero tem personagens interessantes e uma atuação incrível de Christopher Waltz. As críticas às instituições fazem bem para discussões, mostrando mais uma vez que a ficção científica vai além de mostrar futuros impossíveis e improváveis. E isso é mais importante do que agradar todos, o que fica claro na direção de Gilliam.


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