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HORAS DE DESESPERO (No Scape)


por Tiago Lira

Há uma mistura de sentimentos depois de assistirmos Horas de Desespero, uma sensação que está ao alcance de um braço, mas ainda fica difícil de notar. Ainda que seja uma produção embalada nos mesmos moldes dos filmes de ação, o diretor John Erick Dowdle consegue afastar seus personagens de gente como Bryan Mills ou Frank Martin e ainda é seguro o suficiente na direção para criar uma trama tensa. Por outro lado, a problemática desenvoltura dos inimigos como se fosse uma horda de zumbis é o ponto mais fraco do filme. Um pouco mais de tato nessa questão destacaria mais a produção que, infelizmente, resolver tomar o caminho mais fácil.

Uma das qualidades do filme é perceber os ecos estão acontecendo em algumas partes do oriente. Sinais de uma ditadura – fotos e bustos do primeiro ministro em todos os lugares, cidade às escuras à noite lembrando Pyongyang, sem sinal de TV, telefone ou internet – e situações parecidas com o Isis e o Boko Haram dão atualidade à história. Tanto quanto a intervenção americana e inglesa representada Jack (Owen Wilson) e Hammond (Pierce Brosnan). E no meio da guerra desse Camboja (ou um Laos) fictício, nos apegamos à família de Jack principalmente por causa da doçura das filhas dele e de Annie (Lake Bell).

É claro o contraste exagerado das tropas orientais, onde um comandante sem nome e extremamente mal lidera um mar de pessoas desumanizadas que caçam os estrangeiros no seu país. Não é que isso seja mentira – as notícias que chegam para nós mostram tais barbáries –, mas seria tarefa do diretor mostrar um pouco mais de empatia para com a família de Jack. Para minimizar a situação, Dowdle mostra um encontro da família Dwyer com duas boas almas: um jovem que está no meio da horda e depois um senhor idoso que os esconde. O interessante na cena em que os quatro estão fugindo e cruzam com esse jovem é o fato dele não estar mascarado como seus companheiros, que estão representando um sistema ou algum regime.

Fazendo o papel de advogado do diabo, o filme leva a outra possibilidade se nos colocarmos na pele de Jack, pego no meio do fogo cruzado. Vejam a emblemática cena em que ele se encontra no meio do conflito dos revoltosos e da força policial, por exemplo. Aquela é a percepção do protagonista: perdido num conflito que ele desconhece – se bem que é difícil acreditar que não sabia que o país estava à beira de um conflito armado –, num lugar que não fala a língua e ainda com a família em perigo é bem aceitável que ele veja os cidadãos como inimigos. Assim como os orientais sobre os estrangeiros em sua terra. Pensando assim, não é tão difícil entender o posicionamento tanto um como o do outro.

Ainda que o filme seja acusado de ser racista e xenofóbico, é inegável que Dowdle sabe dirigir os quase 100 minutos de filme equilibrando momentos de ação e de extrema tensão. A não ser por uma pequena inserção cômica de Kenny Roger (Boonthanakit) a produção não perde o pique, efeito auxiliado pela montagem que coloca os problemas logo no começo. Depois de voltar na narrativa, sabemos que falta pouco para descobrir qual é o resultado de um assassinato. A cena de Jack subindo pelo elevador para encontrar a família parece infinitamente mais longo do que realmente é por não sabermos qual é a situação real. Além disso, o diretor sabe quando usar o silêncio, emudecendo tanto a trilha quanto os sons ambientes numa agoniante cena envolvendo as duas filhas pequenas do casal.

Dowdle é competente também em contar a história visualmente sem apelar para narrações ouflashbacks. Ele mostra rapidamente as marcas no rosto de Hammond, ali já definindo sua personalidade e dando uma dica de suas intenções. No figurino é interessante notar que Jack passa pelos piores momentos da sua vida usando por baixo da camisa social uma camiseta da sua cidade natal (Austin, Texas) que representa a saudade que ele tem de casa. A câmera na mão e os ângulos holandeses completam o estado de tensão que o diretor quis transmitir para a audiência, e nisso obtém sucesso.

A ironia do final e a boa jogada de não usar o clássico herói de ação são outros pontos positivos de Horas de Desespero. As qualidades da história não devem ser postas de lado quando analisamos os problemas já apresentados, principalmente na caracterização de um povo, mesmo que esse país não tenha um nome para que ninguém aponte dedos. Mas, como thriller, é eficaz. E se essa foi a intenção do diretor, de nos deixar respirar só quando um personagem diz que podemos, a missão foi cumprida. O que não quer dizer que devemos desviar os olhos para as outras questões.


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