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QUANDO EU ERA VIVO


por Antonio Carlos Egypto

O cinema brasileiro explora pouco o gênero do horror, do fantástico. Com a relevante exceção de José Mojica Marins, o Zé do Caixão. Fora ele, pouca gente tem se aventurado. Marco Dutra, em parceria com Juliana Rojas, já havia feito uma ótima incursão nesse terreno, com o filme Trabalhar Cansa, de 2011, partindo do realismo do mundo do trabalho, de forma concreta, para chegar a monstros emparedados.

Em Quando Eu Era Vivo, Marco Dutra dirige uma adaptação do livro A Arte de Produzir Efeito Sem Causa, de Lourenço Mutarelli. O autor do livro tem uma participação especial no filme.

Os temas trabalhados são os vínculos familiares, os fantasmas que por ali circulam e a questão de como lidar com o passado, que assombra, pode paralisar, mas foi quando os afetos se consolidaram. A loucura, o bem e o mal, não poderiam faltar ao gênero. Mas o interessante aqui é que seus limites e possibilidades estão bastante borrados, de modo que é difícil saber o que é uma coisa e o que é a outra. Esse suspense se sustenta até o fim do filme e traz surpresa.

O embate fundamental se dá entre Júnior (Marat Descartes), recém separado por meio de um divórcio traumático, que retorna à casa paterna, e Sênior (Antonio Fagundes), seu pai viúvo, que está tratando de reconstruir sua vida. Júnior se apega ao passado, às lembranças da mãe e do irmão, agora ausente, internado numa clínica. Sênior, ao contrário, enfurnou as coisas do passado num quartinho fechado e tem um apartamento que respira atualidade, preocupações com a saúde e o bem-estar.

A casa é, por sinal, um personagem central do filme. É pelas transformações que vão ocorrendo nela que se configuram os mundos do pai e do filho. Até as cores de iluminação mudam. Do começo para o meio e o fim do filme, a casa se transforma passo a passo, dando lugar às lembranças, obsessões e fantasmas que povoam a vida dessa família, pela ótica de Júnior, em contraponto à do pai. E vão se revelando as coisas não resolvidas da família.

A personagem Bruna (a cantora Sandy), jovem estudante de música, é inquilina na casa e servirá de elemento catalisador das loucuras de uma família da qual ela não faz parte. O irmão ausente, Pedro (Kiko Bertholini), terá sua presença na vida adulta e atual de Júnior e Sênior. Mas os dois irmãos, na infância, e a mãe que morreu, estão presentes no filme pelos registros do passado. A solução do diretor foi filmá-los em VHS e, assim, incluí-los na história. A solução é muito boa, porque a imagem remete ao passado recente dos videocassetes, suas imperfeições e riscos, assim como à cor amarelada.

Misteriosas cabeças de gesso adicionam o elemento fantástico que agrega mais suspense à trama. A filmagem e a interpretação do protagonista-filho nos fazem lembrar do clássico O Iluminado, de Stanley Kubrick, de 1980, em alguns momentos, assim como de outros filmes de terror. Mas Quando Eu Era Vivo explora principalmente o horror psicológico, o das mentes conturbadas, o dos impulsos e dos medos. A violência é moderada e não há sangue jorrando. É tudo mais sutil, situa-se no mundo interno dos personagens.

Um ótimo elenco dá boa sustentação à trama de horror que se desenvolve. Marat Descartes tem se revelado um ótimo ator, com presença marcante em bons filmes brasileiros. Foi o protagonista de Trabalhar Cansa, do mesmo diretor e de Super Nada de Rubens Rewald, por exemplo. Antonio Fagundes é sempre um grande ator em cena, seu Sênior é muito convincente. Sandy Leah canta e lida com música no filme, o que a liga a seu universo habitual, está bem no papel de Bruna. O personagem de Gilda Nomacce se insere na trama com uma atuação cativante. Tuna Dwek participa de uma sequência do filme, pequena, mas muito intensa, um momento forte da história. Não dá para esquecer.

O diretor Marco Dutra reafirma seu talento e se qualifica para novas incursões num gênero de terror que não se distancia do mundo em que vivemos e onde estamos, dialoga com ele, revela seu avesso.


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