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TATUAGEM


por Antonio Carlos Egypto

“A porta do barraco era sem trinco
Mas a lua furando nosso zinco,
Salpicava de estrelas nosso chão...
Tu pisavas os astros, distraída,
Sem saber que a ventura desta vida
É a cabrocha, o luar e o violão...”


Esses são os versos finais de “Chão de Estrelas”, letra de Orestes Barbosa para um grande clássico da música popular brasileira, que teve sua primeira gravação realizada em 1937 por Sílvio Caldas, também autor da canção.

O que tem isso a ver com o filme de Hilton Lacerda, “Tatuagem”? Chão de Estrelas é o nome de uma casa de shows e teatro alternativo, onde os personagens provocavam a ditadura brasileira da época, em 1976, no Recife. Um momento em que a ditadura militar já dava sinais de esgotamento, mas a censura permanecia ativa. Os espetáculos de cabaré do Chão de Estrelas procuravam mexer com a moral estabelecida, por meio do escracho, da nudez, do homoerotismo, de um modo um tanto histérico, alternando cantos, danças e performances, que usam letras chulas e palavrões, com belas canções da MPB. Daí se vê que o nome do estabelecimento não é gratuito, é uma homenagem à canção brasileira. Assim como a interpretação de “Esse Cara”, de Caetano Veloso, por Clécio (Irandhir Santos), marca o momento da conquista do soldado Fininha (Jesuíta Barbosa). Ou, ainda, o encerramento pregando a paz, após a guerra vivida, que convoca a gravação de Dalva de Oliveira para cantar, a plenos pulmões, “Bandeira Branca”. O que é mais alternativo reverencia a velha e nova MPB.



“Tatuagem” é um filme que mostra a resistência pelo lado da contestação anárquica, comportamental e de valores. É um filme libertário e, ao mesmo tempo, provocador, também para os dias de hoje. Podemos relacioná-lo na nossa história recente às contestações do teatro Oficina, do Zé Celso, dos Dzi Croquettes ou dos primeiros trabalhos provocadores do cinema de Pedro Almodóvar, na Espanha recém-liberada do franquismo. Para se contrapor à repressão, nada melhor do que a festa, correndo o risco de acabar na cadeia.


O diretor pernambucano Hilton Lacerda é um experiente roteirista de filmes, como “Baile Perfumado”, de 1997, “Amarelo Manga”, de 2003, “Árido Movie”, de 2004, “A Febre do Rato”, de 2011, entre outros. Codirigiu, com Lírio Ferreira, o ótimo documentário “Cartola – Música para os Olhos”, de 2007, outra incursão dele na música brasileira. Dirige agora seu primeiro longa de ficção, com muito vigor.

No elenco, o grande destaque vai para o protagonista Irandhir Santos, que a cada filme se afirma como um dos melhores atores do cinema brasileiro. Mas Jesuíta Barbosa e Rodrigo Garcia também dão bem conta de seus papéis, assim como o restante do elenco. “Tatuagem” venceu o Festival de Gramado, obtendo o Kikito de melhor filme. Foi exibido também no Festival do Rio 2013 e na 37ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.


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