por Beto Besant
Como dizia um antigo comercial de jornal, é possível dizer uma grande mentira falando apenas verdades.
A película argentina O Médico Alemão coloca uma lente de aumento nos propósitos científicos de um médico fazendo parecerem nobres seus objetivos de desenvolvimento humano.
Na trama, Eva (Natalia Oreiro) e Enzo (Ricardo Peretti) são um casal com três filhos viajando de carro à Patagônia para reabrir um antigo hotel herdado da família. No caminho, deparam-se com o médico alemão Helmut Gregor (Alex Brendemühl) que pede informações pra ir na mesma direção, e desta forma seguem todos em caravana. Aos poucos, o estrangeiro se aproxima da família, demonstrando atenção especial ela filha Lilith (Florencia Bado) e pela gravidez de sua mãe, que está numa gestação de gêmeos.
Apesar de Enzo demonstrar preocupação com a presença do alemão desde o início, não consegue recusar a oferta de seis meses de aluguel adiantado, e Gregor vai morar no hotel.
Lilith sofre de um sério problema de crescimento, apesar de ter 12 anos, possui tamanho de 9, o que gera vários problemas de relacionamento no colégio. Prontamente o médico se oferece para tratá-la, o que é recusado por Enzo mas tem o apoio de Eva, graças às pressões cada vez maiores que sua filha sofre no colégio.
O interesse de Gregor pela gestação de Eva também preocupa Enzo, que é obrigado a suportá-lo por motivos de saúde. Não demora muito até que o médico seja descoberto por Nora Edloc (Elena Roger), uma espiã do Mossad (serviço secreto israelense) que descobre tratar-se do médico nazista Joseph Mengele.
Escrito e dirigido por Lucía Puenzo (de XXY), O Médico Alemão tem como maior virtude o fato de humanizar uma pessoa tida como um dos maiores monstros da humanidade, fazendo com que seus propósitos pareçam nobres. Apesar de sabermos, com a distância que o tempo guarda, de quão nocivos ao ser humano eram os ideais nazistas, onde se procurava a chamada Raça Ariana como superior, a tentativa de dar crescimento normal à menina parece algo bom. Chega a parecer que ele o faz por ter certo carinho pela pré-adolescente - o mesmo acontece com seus irmãos gêmeos. Mas, sabendo-se hoje das atrocidades cometidas por Mengele, condenadas atualmente até quando praticadas contra animais, podemos ter uma visão mais imparcial de suas intenções.
Um paralelo interessante do roteiro é feito através do hobby de Enzo: construir bonecas. Ao contrário do médico, que acredita no aprimoramento em série do ser humano, o pai de Lilith faz cada boneca de forma única e com características individuais, chegando em certo momento a dizer para a filha que esta é a riqueza do ser humano. Sua boneca mais ousada é um modelo que possui coração que "bate" por um sistema de chave, similar a uma caixinha de música.
Conforme a trama vai ficando mais tensa, o médico consegue se aproximar do passatempo de Enzo a ponto de fazê-lo criar bonecas de uma forma que vão de encontro a tudo que ele acredita. Aliás, a simples imagem de bonecas iguais penduradas na pequena fábrica nos traz a terrível sensação de vermos as crianças torturadas anteriormente pelo alemão.
Tecnicamente o filme também é impecável, sua fotografia segue em tons frios, refletindo a frieza da relação entre o médico e a família. A direção de arte é um dos pontos altos do filme, reconstitui com perfeição as décadas de 40 e 50. Sua única falha é mostrar os desenhos que acompanham as anotações de Gregor com tamanha qualidade artística que mais parece o caderno de anotações de Michelangelo.
A atuação da pequena Florencia Bado é arrebatadora, e apesar de sua pouca idade, consegue "química" com Brendemühl.
Tal qual para uma mãe de criminoso seu filho seja sempre bom, pode ser a proximidade com o tema abordado em O Médico Alemão que tenha feito com que tantas pessoas (inclusive no Brasil) tenham sido favoráveis ao nazismo.
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