por Tiago Paes de Lira
Com Hugh Jackman, James McAvoy, Michael Fassbender, Jennifer Lawrence, Halle Berry, Anna Paquin, Ellen Page, Nicholas Hoult, Peter Dinklage, Ian McKellen e Patrick Stewart. Argumento de Simon Kinberg, Matthew Vaughn e Jane Goldman. Roteirizado por Simon Kinberg, baseado na história de Chris Claremont e John Byrne. Dirigido por Brian Synger (Jack – O Caçador de Gigantes).
O maior problema de uma franquia – e principalmente uma da Marvel que tem tanta histórias pregressas e tantos fãs para agradar – é a repetição: temas, atores, protagonistas, antagonistas até mesmo vilões. Percebendo isso, Kinberg e um renovado Singer apresentam um filme de ação empolgante, misturando temas de ficção científica/viagem no tempo e abrem um leque de vastas possibilidades. X-Men: Dias de um Futuro Esquecido é um filme para se ver mais de uma vez, e é a melhor adaptação do universo X nos cinemas.
Num futuro próximo, tanto a raça mutante quanto a humana estão à beira da extinção. Um grupo de mutantes liderados pelo Professor Charles Xavier (Stewart) e Erik Lehnsherr/Magneto (McKellen) são a última resistência contra as temidas Sentinelas. Existe uma esperança nos poderes de Kitty Pride (Page), que pode enviar a consciência de outra pessoa através do tempo. Por causa de suas habilidades de cura, Wolverine (Jackman) é o escolhido para a missão de convencer as versões mais jovens de Xavier (McAvoy) e Erik (Fassbender) a se unirem e impedir que Mística (Lawrence) assassine Bolivar Trask (Dinklage), o que desencadeara a guerra contra os mutantes no futuro.
A estrutura da história é baseada em flashbacks, o que é pertinente para o tema. Suas variadas linhas de tempo são tanto continuações de X-Men 3: O Confronto Final (The X-Men: Last Stand, 2006, Dir Brett Ratner) e X-Men: Primeira Classe (X-Men: First Class, 2011, Dir Matthew Vaughn), além de ter relação com a cena extra de Wolverine: Imortal (The Wolverine, 2013, Dir James Mangold). E uma das qualidades do filme é unir esse universo que já é bem grande, até mesmo o malfadado primeiro filme solo de Logan.
O futuro mostrado é um inverno constante, um novo holocausto – esse nuclear– onde os prisioneiros são marcados na face à fogo com a letra M. A morte vem realmente do alto, com os Sentinelas chegando em naves que tem o formato de caixões de cabeça pra baixo. Ainda que esconda o sangue, as cenas de violência são pesadas, com muitos desmembramentos e decapitações promovidos pelas máquinas. Porém, elas acontecem na penumbra ou enquanto os poderes estão ativados. Por exemplo, Colossus tem membros arrancados enquanto em sua forma metálica, o que diminuí a violência gráfica. Mas só um pouco. Quando Wolverine enfrenta alguns bandidos já em 1973, suas garras de osso não são mostradas ensanguentadas.
Existe a possibilidade de os fãs mais ardorosos da Marvel reclamarem ser Wolverine, e não Kitty que viaja no tempo, como é nos quadrinhos. Há dois bons motivos para isso. Um: Marketing. Hugh Jackman é o nome mais conhecido do elenco (veja que os pôsteres internacionais mencionam apenas o nome dele). Dois: Plausibilidade. A viagem pode causar danos cerebrais se o viajante for muito longe e por muito tempo. Por isso, quem melhor que alguém com um poder de cura para resolver o assunto? E, como sempre, esta é uma crítica do filme e não da fonte original. O que importa é que dentro do universo adaptado funciona.
De volta à 1973, Logan age como um espectador – como nós da audiência – e com ligeira surpresa aos fatos que está revivendo. De vez em quando, o mutante esquece que naquela época seus ossos ainda não estavam revestidos de adamantium, e fica com uma cara de decepção ao constatar o fato, que não impede de manter o espírito desafiador e um tanto piadista. Quando ele encontra o jovem Hank McCoy (Hoult) na Escola de Xavier, há uma provocação de Logan para ver o verdadeiro Fera. Vai render boas risadas que não são soltas. Elas servem para reforçar a personalidade de Xavier dessa época. Apesar de estar andando, ele está perdido, constantemente com um copo de whisky na mão. Por passar nos anos 1970, há um paralelo com o mundo das drogas, e a palavra “viciado” está em todo lugar, apesar dela não ser usada. Há uma cena bem marcante, onde Charles chega a lamber os lábios quando vê uma seringa.
A Mansão X está tão caída quanto seu dono, com janelas fechadas, poeira por todos os cantos e a dor de Xavier representada em dois totens: um para Raven/Mística – que ganha um memorial com velas, como os que fazem vigília para seus entes queridos desaparecidos – e um tabuleiro de xadrez com um jogo não finalizado, um símbolo usado entre ele e Erik desde o primeiro filme X.
Há uma preocupação clara em deixar tudo equilibrado. Se há o futuro sombrio, existe um passado mais colorido – na fotografia de Newton Thomas Sigel, que trabalhou em filmes como Drive (Drive, 2011) – e com algum blur. Onde existe a seriedade de acabar com apocalipse, há no outro extremo Pietro (Peters) que, por ser um adolescente, não vê o mundo com muita seriedade. A cena em que ele lida com uma dúzia de homens armados que cercam Logan, Xavier e Erik é de um extremo bom gosto, e podemos ver por um momento como é ser alguém que pode se deslocar à velocidade do som (ao som de Time in a Bootle). É um alívio cômico, e a frase “minha mãe conheceu um cara que fazia isso” é uma dica que provavelmente só fãs conhecem. A opção de Singer de fazer que os efeitos da movimentação dele comecem sutis faz todo o sentido: para o espectador comum, é assim que vemos.
O universo X tenta ser um pouco mais realista – na medida de estarmos falando de um mundo fantástico, claro – desde o primeiro filme, com roupas de couro preto ao invés das coloridas dos quadrinhos. Isso se reflete no visual mais simples de Pietro (mesmo que as cores prateadas façam um relação com o futuro). Também é assim nas relações com o John Kennedy, o presidente do filme ser o mesmo da época, as referências à Guerra do Vietnã, as filmagens em Super 8 e uma piada sobre naquela época Hank conseguir uma aparelho que grave “todos” os três canais.
Podemos notar um extremo cuidado no design de produção. As locações remetem não só aos seus lugares reais – Muralha da China, a Casa Branca – mas a metáforas bem construídas. No começo do filme, os mutantes se refugiam num monastério (buscam paz). Já no segundo ato, Trask aparece num corredor que tem a sua altura (busca se adequar ao mundo normal). E os efeitos especiais são ótimos e usados com moderação: as cenas do começo mostram os poderes das Sentinelas – apesar do design modernizado lembram os modos do Destrutor de Thor (Thor, 2011) – para depois desacelerar para um ponto de vista humano, para só depois vermos com quem estamos lidando.
É difícil entender como Singer está tão bem aqui e tão desleixado em seu filme anterior. Sem receio de me repetir, há um cuidado na sua visão que ficamos impressionados. Determinado ponto do filme, Trask está com todas as cartas na mão. Nesse poder, o diretor começa a filmá-lo de costas, mas põe a câmera na altura dos ombros dele – um ator que tem 1,35m – e ali diz que ele tem as rédeas da situação. Ou quando Erik persegue Mística, notem que ele em roupas civis usa roxo e vermelho, tanto tons do uniforme clássico quanto representativos de morte e ódio. E, para o bem da história, Singer e Kinberg apenas pincelam teorias quânticas, mas é o suficiente para a discussão da ideia.
É até poético que X-Men: Dias de um Futuro feche um ciclo iniciado em 2000. Singer consegue costurar toda a franquia e homenageando os universo que ajudou a criar, com as aparições de Tempestade/Ororo (Berry), Bobby/Homem de Gelo (Ashmore) e outros mutantes, e do jovem William Stryker (Helman). Se há alguma que incomoda é a ressurreição do Professor Xavier, ainda que exista a cena extra de X-Men 3 que, ao meu ver, não explica propriamente o fato. Perder mais três minutos de elucidação não faria mal. Mas isso não é suficiente para diminuir a ótima experiência. Tudo na continuação é maior e melhor que o filme de 2011, e o resultado traz inúmeras possibilidades para o Universo X. Ao se reinventar, é com gosto que esperaremos a sequência.
E não preciso explicar isso, mas vamos lá: há uma cena extra. Uma que vai matar do coração os fãs da série.
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