por Rogério de Moraes
Se você não viu Holy Motors, não tem a menor ideia do que se trata esse filme. E se você já viu, provavelmente continua sem ter a menor ideia do que se trata.
Treze anos depois de seu último longa, Pola X, o diretor francês Leos Carax apresenta um trabalho inclassificável. Uma impossibilidade de rótulo, e de gênero, que pode tanto servir ao elogio máximo como à crítica mais demolidora.
Pode-se amar Holy Motors ou abandoná-lo antes da metade. Isso porque o filme apresenta uma caótica e aparentemente desconexa proposta, difícil de digerir assim, no susto. Para seguir adiante, após o choque de insólito inicial, é precioso se permitir o prazer de não entender, de sair do cinema montado na incerteza. Sem isso, nada feito.
Também é necessário se permitir viajar a cada nova história não contada. Anti-histórias, sim, mas exibidas com um vigor, sensibilidade e prazer estético como raramente se vê.
Não há uma trama em Holy Motors, há apenas o dia de um homem que não se sabe quem é, que transita por Paris a bordo de uma limusine e que ao longo do filme se transformará e viverá com a devida e necessária intensidade diversos personagens.
De um louco que sai do esgoto para seduzir Eva Mendes com uma lambida no sovaco - logo após arrancar a mordidas dois dedos de uma assistente de produção, de um encontro melancólico de memoração do passado, de um pai entristecido pela mentira da filha, até o magistral interlúdio ao som de acordeões, sem deixar de passar pela morte e ressurgimento. Assim nos atravessa Holy Motors.
Violência, miséria, rancor, absurdo, tecnologia, frustração. Há de tudo um pouco na jornada de um dia desse personagem que são muitos personagens. São faces e faces de Oscar, interpretado por Denis Lavant. O sentido dessa jornada, ora efusiva e estonteante, ora melancólica e filosófica, pode se perder nas entretramas que se sucedem, nos encontros e desencontros programados sabe-se lá por quem e para quê.
Num mundo tão ávido por sentido, símbolos e significados. Em um tempo em que o cinema comercial é tão mastigado que dispensa até que se olhe para a tela, um filme cujo sentido não está tão facilmente ao alcance da mão vem a calhar.
Nada disso seria válido ou mesmo digno de nota não fosse a acurada câmera de Carax. O diretor constrói sobre o nada climas de um onírico realista, uma espécie de sonho sem metafísica. Impõe ao filme ritmo, cores e atmosferas que destacam uma assinatura vigorosa, marcante, única.
Não gostar de Holy Motors é parte do jogo, é a essência do cinema, que nunca foi feito – e bom que seja assim – de unanimidades. Pode-se até desprezá-lo ou abandoná-lo ao meio, mas não é possível vê-lo sob a égide do impassível.
Não se abandona este filme por tédio, mas talvez por desesperança. A desesperança de ver algum sentido. Mas o sentido pode ser buscado após, ou na releitura ou inventado.
O que Carax nos proporciona é a oportunidade de escavar esse sentido. Nos apresenta um leque de caminhos que se bifurcam, menos borgiano e mais Lewis Carrol, porém não menos intenso que ambos. Nem menor.
Entender ou não é o de menos. Holy Motorstem em si algo de essência cinematográfica, uma essência que tem escorrido por ralos de mediocridade, afetação e superficialidade. A essência da jornada, da experiência, da provocação, do estímulo ao pensamento e, principalmente, do estímulo aos sentidos. Pode até não significar nada, mas é um nada mais pleno do que muito estofo vazio que se vê por aí.
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