por Tiago Lira
É muito bom sair satisfeito ao final de uma projeção. Em O Agente da U.N.C.L.E. Guy Ritchie trouxe um misto de ação e comédia que, comercialmente falando, será compreensível se não fizer sucesso. O problema estará nas comparações que serão feitas por causa das produções como temas parecidos que estrearam esse ano, o que não diminui a qualidade do filme. Então, não deixe que isso o impeça de se divertir com essa aventura cheia de ação, personagens cativantes e que representa belamente o período da Guerra Fria. E não se preocupe por essa ser uma adaptação de uma série televisiva: uma das maiores qualidades do filme é que ele foi feito mais para quem não era fã do que para quem era.
Sendo inglês, o diretor quebra um paradigma do herói americano perfeito ao representar Napoleon Solo (Henry Cavill) com vários defeitos. Durante o flashback de Ilya Kuryakin (Armie Hammer) descobrimos que Solo só trabalha para a CIA porque ele é muito bom no que faz; um ladrão que busca se livrar das garras da justiça. E notem como é inteligente a decisão de Ritchie mostrar o personagem entre a sombra e a luz nesse momento, reforçando sua personalidade. O diretor também dá a devida atenção à Gabriella Teller (Alicia Vikander), e em poucos minutos estabelece uma relação dela com o pai – no carro, enquanto trabalha no motor, sem relegá-la a eye candy – um cientista que Solo está procurando. Já Ilya tem algo de atual na sua representação, pois ele nem parece humano – o que remeteu a vários momentos uma piada vinda da internet – e é sensacional como o diretor usa do design do som para representar a personalidade perturbada do agente da KGB, com tambores e bumbos preenchendo sua mente.
A mudança do paradigma, representada pela união relutante de Solo e Ilya, ainda que não provoque uma profunda discussão, pinta um quadro do que foi o período de transição para o fim da guerra fria. Essas duas forças opostas teriam que se unir pelo mal comum, e não quer dizer que eles deveriam gostar disso, o que trás momentos memoráveis. Desde o enfrentamento no banheiro, a cena onde vários agentes disfarçados se levantam para que Solo e Ilya conversem – o que estava mais para um cheiro de cadáver se espalhando – ou tentando sempre se superar nas tecnologias feito duas crianças.
Ritchie também é competente em momentos mais técnicos da história, sendo que a mise-en-scène é o destaque mais interessante. O design de produção tem ótimas representações da época, passando pelos figurinos, pelo design dos carros – principalmente os da pista de corridas – e na paleta de cores que dá um ar de fidelidade sessentista à produção, juntamente com a música de Daniel Pemberton. Outras decisões do diretor como o flashback ser apresentado por slides; ou a câmera que segue o braço de Ilya enquanto busca uma arma e mais tarde acompanha a porta do cofre que os dois agentes invadem são esteticamente funcionais e elegantes. Diferente do exagero dos ângulos holandeses e a necessidades de flashbacks explicativos de coisas que aconteceram a menos de um minuto na narrativa.
O diretor ainda consegue equilibrar muito bem os momentos de ação e comédia, e percebe-se esse tato, por exemplo, ao representar Solo como bem mais desgraçado que sua contraparte russa – fugindo assim de clichês. É de chorar a cena em que Solo consegue escapar dos seguranças de um complexo enquanto observa Ilya tendo que lidar com a situação. Enquanto o americano fica confortavelmente assistindo a cena ao som de música clássica e uma cesta de pão, queijo e vinho que encontrou num caminhão. Ritchie já havia separado a personalidade dos dois mais cedo, quando mostra o jeito que os dois resolvem passar o tempo: enquanto Ilya está tentando jogar xadrez, Solo está mais interessado na balconista do hotel. E para os mais ávidos das cenas de ação, há espaço para explosões, socos e muitos tiros enquanto nos divertimos com algumas coisas que acontecem ao fundo.
O filme fecha com muito melhores momentos do que ruins, e vale a pena apreciá-los. Pode ser perceber o timming da comédia quando vemos que a música de Pemberton para no exato momento em que Victoria (Elizabeth Debicki) abre a porta do quarto de Solo, a transição de uma imagem de satélite para a fotografia noturna, ou montagem perto do fim do terceiro ato para manter a ação do longa sem que ele se esticasse além da conta. O Agente da U.N.C.L.E. é espirituoso, divertido e o melhor filme do diretor nos últimos anos. Felizmente, o Ritchie e seus – muitos – roteiristas prefeririam contar a história para um público mais jovem, respeitando alguns elementos do original, mas sem se apegar a eles, ainda que exista aquela sensação de nostalgia no ar para quem era fã da série.
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