por Antonio Carlos Egypto
É fato sabido que as crises econômicas, os regimes políticos totalitários, a censura, as guerras, estimulam a criatividade artística. Grandes expressões da arte resultaram de momentos de crise, em sentido coletivo, mas, também, individual. Crises existenciais são geradoras de grandes obras. Já que a crise é também oportunidade de rever, repensar, ressignificar, buscar alternativas, o que se poderia esperar da produção cinematográfica do país que foi mais abalado, na comunidade europeia, pela crise do euro?
A Grécia está representada no circuito exibidor com dois filmes que merecem ser vistos e que se vinculam a uma expressiva produção atual, como ficou evidente na 37ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em 2013, com títulos colhidos nos festivais pelo mundo. Uma presença bem mais significativa do que habitualmente acontecia no evento paulistano. O cinema grego apareceu com força e qualidade.
MISS VIOLENCE. Grécia, 2013. Direção: Alexandros Avranas. Com Themis Panou, Reni Pittaki, Eleni Roussinou. 98 min.
O melhor dos filmes gregos exibidos, para mim, foi Miss Violence, segundo longa-metragem dirigido por Alexandros Avranas, vencedor do Leão de Prata de direção e melhor ator em Veneza. O filme, corajosamente, expõe a violência, o abuso e a prostituição forçada das mulheres de uma família, em suas várias gerações, e todas as consequências trágicas que daí resultam, com total realismo e procurando produzir suspense. A crise está presente no desemprego e na dificuldade de sobreviver que agravam o quadro ou, por outro lado, servem para tentar justificar ou validar a monstruosidade apresentada.
Outra leitura é possível, alegórica da situação, se olharmos para a família como representante da sociedade como um todo. A carência alimenta a opressão, o estupro, a exploração das pessoas e da mãe-pátria. Também faz sentido. E uma coisa não exclui a outra. Ao tratar do tema da exploração sexual da mulher, o contexto subjacente é o da crise social e moral em que se vive na sociedade grega atual. Mais difícil de aceitar é a visão de uma patologia individual determinando os fatos. Há um eloquente sentido de opressão coletiva, que se evidencia no desenrolar da trama e nas interpretações do elenco.
METEORA. Grécia, 2012. Direção: Spiros Stathoulopoulos. Com Theo Alexander, Tamila Koulieva. 81 min.
Outro belo filme grego que pude ver naquela Mostra refere-se a uma outra dimensão. Meteora vai em busca de monastérios ortodoxos situados acima de pilares de arenito, suspensos entre o céu e a terra, conforme explica a sinopse que consta do catálogo da Mostra. Aqui, o que se vai viver é a relação entre a fé, o afeto e o desejo sexual humanos, presentes nas figuras de um casal de religiosos. Mesmo separados em duas montanhas de pedras diferentes, uma para cada sexo, e uma escadaria interminável para galgá-las, haverá modos de se encontrar e viver essa história de amor.
Meteora é o segundo longa do diretor Spiros Stathoupoulos. É o filme mais bonito visualmente dessa leva de gregos. Tem locações belíssimas, um clima que o situa fora do mundo real e uma muito eficiente atuação do desenho de animação, que se insere ao longo de toda a trama, pontuando o imaginário, o temido e o desejado. O fato de se distanciar tanto da realidade atual da Grécia não significa, no entanto, que não dialogue com ela. A busca da beleza, do amor e da fé, não deixa de ser um caminho alternativo, idealizado, quando o mundo real parece tão duro de enfrentar.
Os filmes gregos de novos diretores mostram que está germinando um novo cinema por lá. Ninguém espere a sofisticação e a estética maravilhosa do mestre grego do cinema, Theo Angelopoulos (1936—2012), é claro. Mas nem é possível, mesmo, exigir tanto de jovens cineastas. Que o cinema grego atual mostra talento, não há dúvida. Isso é muito promissor.
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