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GRAVIDADE (Gravity)


por Tiago Paes de Lira

É fantástico como uma ideia tão simples pode render algo tão excelente. Gravidade tem uma premissa mínima, mas que desenvolvida nos carrega durante seus 90 minutos, passando por ótimos momentos dramáticos e com senso de urgência. O que Alfonso Cuarón trouxe foi uma experiência cinematográfica incrível, cheia de lirismo, coragem e, no fim das contas, uma homenagem à humanidade.

Durante uma missão espacial, a Dra Ryan Stone (Sandra Bullock), em seu primeiro voo orbital, é acompanhada pelo veterano Matt Kowalski (George Clooney), que está na sua última expedição fora do planeta. Enquanto trabalham no telescópio Hubble, a NASA informa que um teste conduzido pelos russos deu errado, destruindo vários satélites, e que os destroços se dirigem à localização deles. A reação em cadeia destrói a nave dos dois, que ficam à deriva no espaço. Sem transporte, eles tem que chegar até outra estação espacial para voltar à Terra com vários perigos iminentes: a volta dos destroços que estão orbitando o planeta, a comunicação interrompida com a agência, e o baixo suprimento de oxigênio de suas roupas.

Você vai concordar que esse é um argumento simples. Personagens tem que ir do ponto A ao ponto B antes que o pior aconteça. Porém, o excelente desenvolvimento da história dirigida por Cuarón faz com que essa seja uma jornada de descoberta. Em determinado ponto, Ryan diz que o que ela mais gosta no espaço é o silêncio, e que lá temos momentos para reflexão. Durante os minutos iniciais da história filmada em plano sequência – em uma ótima junção de tecnologia digital e a técnica do plano sequência em si – vivenciamos esse espaço silencioso e com a câmera acompanhando o flutuar na gravidade zero. O diretor, com enorme competência, nos torna parte desse cenário, onde o silêncio é quebrado pela conversa dos astronautas e belíssima trilha de Steven Price.

Numa guinada, Cuarón transforma toda essa paz de espírito em desespero quando os destroços atingem a nave. É desesperador, e a vontade que temos é de gritar para que os personagens olhem para trás é monstruosa. É uma pequena percepção do que é ficar sem parte dos sentidos, guiando-se só pelo que se vê, sem os sons para ajudar. Para piorar, apesar da urgência tátil, os astronautas se movimentam com lentidão própria do espaço, não havendo a ser feito.

Pela primeira vez um filme 3D convertido tem sucesso e ajuda a trama. Em vários momentos, Cuarón nos coloca na visão subjetiva de Ryan. Assim como ela, não temos experiência no espaço sideral. O desespero dela é o nosso, a desorientação dela é a nossa. Poucas vezes no cinema recente houve uma imersão tão profunda entre protagonista e plateia. Afins de comparação, o efeito é o que deveríamos ter visto em O Espetacular Homem-Aranha (The Amazing Spiderman, 2012), mas infinitamente menos tímido.

A construção dos personagens é outro elemento digno de palmas. Ao invés de apelar para flashbacks ou narrações em off, Cuarón faz que Matt tranquilize Ryan falando de seu passado. Não precisamos de cenas dela com a filha, ou mostrando a casa em que cresceu para criarmos identificação, ou entender que a morte da filha a fez buscar isolamento. Já Matt é retratado pela música que ouve, e pela sua tranquilidade e vontade de quebrar o recorde de permanência no espaço, características que fazem entender o destino do personagem.

Assim como a própria condição humana, o filme tem camadas e mais camadas para serem destrinchadas. Existem homenagens à outros filmes espaciais, com a voz do controlador da NASA ser de Ed Harris, reprisando seu papel Apollo 13 (Apollo 13, 1995) e uma brincadeira com um extintor no estilo Wall-E (Wall-E, 2008). A fotografia de Emmanuel Lubezki lida com momentos chaves do filme, passando pela urgência banhada em vermelho pelo sol no momento do acidente, e da escuridão logo depois quando Ryan se encontra girando no meio do vácuo do espaço, além de trabalhar incrivelmente bem quando as luzes precisam ser diferentes nos momentos dentro dos módulos, por causa da suas várias mudanças de posição. E é impossível não falar sobre a mise en scène, belamente construída, atingindo seu ápice na cena que emula uma gravidez, com direito à cabos soltos, que funcionam como o cordão umbilical. Não existe outra palavra além de linda para a sequência toda. E para provar que consegue manipular a audiência mais ainda, o diretor brinca mais uma vez com a relação de Ryan e Matt na cena do reencontro, mas mantém a personagem feminina forte, sem precisar apelar para um salvador masculino.

Passando por despedidas inesperadas, e momentos envolvidos pela beleza do espaço – por mais que não dê tempo de curti-las, já que a uma missão deve ser concluída –, o filme nasce para se tornar um novo clássico. Não apenas da ficção científica, mas como um todo. É uma produção espetacular, desde questões técnicas, movimentos e enquadramentos de câmera e direção dos dois fantásticos atores.

[E se você não viu o filme, pule o próxima parágrafo para evitar spoilers]

Não é exagero dizer que em Gravidade é, no final, uma homenagem de Cuarón à própria raça humana. Existe um motivo para tudo em cena. Então, quando o diretor filma Ryan em posição fetal na Estação Espacial Internacional, ele mostra a crença na teoria de que a vida começou no espaço. E para completar essa visão, Cuarón faz com que a astronauta caia no mar, nade até a superfície, e com pernas bambas, chegue à terra firme, transformando assim Ryan na representação poética do ser humano.

[Fim dos spoilers]

Profundo e brilhante são poucos elogios à essa obra de arte, que figurará por muitos anos na imaginação dos apreciadores dessa arte que é o cinema.


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