por Antonio Carlos Egypto
“O Homem das Multidões”, ou melhor, o homem solitário em meio à multidão. Que caminha só, no mar de gente que circula pelas plataformas urbanas de trens. Que caminha junto aos trens e aos seus trilhos. Que entra no trem. Que observa do alto a passagem dos trens. Sua vida parece se resumir aos trens.
Esse homem é Juvenal (Paulo André), maquinista de metrô em Belo Horizonte. Vive e mora só e cumpre bem sua função no trabalho. Relaciona-se na função com Margô (Sílvia Lourenço), controladora do fluxo dos trens. Há mais silêncios do que contatos verbais nessa relação.
Margô está para se casar, põe convite para seu casamento na oficina de trabalho. Mas é igualmente uma mulher solitária. O casamento resultou de um site de relacionamentos na Internet, em que encontrou o perfil ideal para ela. E, supõe-se, valha o mesmo para o consorte. Relacionamentos virtuais se complicam quando passam para o mundo real. Coisas prosaicas, como ter um padrinho, podem se tornar um problema, porque aí não valem as categorias utilizadas pelas redes sociais. Amigos não se obtêm com um toque.
É dessa substância reflexiva -- solidão, isolamento, incomunicabilidade, virtualidade – no esgarçado tecido urbano das grandes cidades, que se nutre o filme de Marcelo Gomes e Cao Guimarães.
Há muita beleza nas imagens que eles produzem, nos enquadramentos expressivos, que dizem muito, nos tons esmaecidos, sem vida, que compõem com precisão a forma que relata o que experimentam os personagens. Mas há outro fator que é ainda mais marcante: a redução intencional da imagem.
Quando a projeção começa, você vê que o filme ocupa pouco mais do que o terço central da tela do cinema. Quase dois terços estão vazios, há espaço semelhante ao projetado, tanto à direita, quanto à esquerda. E mais: o tamanho da tela parece pequeno para o que se quer mostrar. As coisas estão espremidas na imagem, pessoas que interagem ficam fora do quadro, às vezes, ou alguém cobre parte do quadro, como que a mostrar que o resto da tela que não está sendo usado faz falta. O mundo se apequena, se espreme, se reduz. As possibilidades humanas de viver estão limitadas pela solidão profunda em meio à multidão. Isso está na utilização da tela, tanto quanto ou mais do que nas cenas mostradas.
A redução da existência incomoda, prende, limita também o espectador. O tempo custa a passar, dá vontade de sair dali, respirar com desenvoltura, ocupar o espaço e interagir com os outros. Sair do sufoco.
Como se pode ver, o filme incomoda porque é muito bem feito, atinge seus objetivos. Certamente, não diverte. É um filme experimental, que está buscando outras coisas. E explorando as múltiplas possibilidades da linguagem cinematográfica.
O trabalho do pernambucano Marcelo Gomes e seus parceiros, no caso, aqui, o mineiro Cao Guimarães, tem sido marcado pela busca de renovação dessa linguagem, como atestam filmes como “Cinema, Aspirinas e Urubus”, de 2005, e “Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo”, de 2009, trabalhos indispensáveis para quem quer apreciar o que de melhor se fez no cinema brasileiro, nos últimos anos. “Era Uma Vez Eu, Verônica” (veja crítica publicada aqui, em novembro de 2012), embora menos inovador, é um trabalho igualmente denso e consistente. “O Homem das Multidões” é um filme que merece toda a atenção, embora se dirija a um público restrito, por sua concepção.
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