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NINFOMANÍACA 2 (Nymphomaniac)


por Tiago Paes de Lira

Ao fim da sessão de Ninfomaníaca – Volume 2, é notório que seria melhor assistir as duas partes do novo filme de Lars von Trier juntas. No máximo, com um intervalo de quinze minutos entre uma e outra, pois fica claro que a história não foi pensada para ser dividida. Apesar disso, a segunda parte – ou melhor, o terceiro ato – tem um ritmo melhor e mais interessante. Essa indesejada quebra deve servir de incentivo para assistir o filme completo e sem cortes, como era a ideia do diretor.

Nessa parte, Joe (Charlotte Gainsbourg) continua contando suas experiências para Seligman (Stellan Skarsgård), focando agora na perda de sua sexualidade e na busca por reavê-la de qualquer jeito, concluindo com os últimos três capítulos: “A Igreja Ocidental e a Oriental (O Pato Silencioso)”, “O Espelho” e “A Arma”.

ATENÇÃO: Essa crítica não é recomendada para menores de 18 anos e contém spoilers do Vol 1.

Primeiro, uma sugestão: reveja o volume 1 antes de partir para o 2 com o menor tempo diferença possível. O problema do corte entre um outro é perceptível logo nos primeiros dois minutos de projeção do segundo filme. A cena final do volume 1 mostra a jovem Joe (Stacy Martin) chorando depois de se reconciliar com Jerôme (Shia LaBeouf). Fica a impressão que o sentir nada que ela expressa é em relação à ele. Mas ela admite logo depois que tinha perdido era, literalmente, o tesão. Depois de centenas – milhares? – encontros sexuais, as relações normais não satisfaziam mais a Joe. Por isso a tristeza, mas isso passa despercebido com a distância entre os filmes.

Vendo um filme perto do outro, você notará as constâncias do diretor: a diferença entre os flashbacks, que continuam tensos, e a tranquilidade da câmera no tempo presente, onde Joe se sente segura, e também análise e paralelos que Seligman faz. Existe um curto ponto de virada onde Joe consegue arrancar do solteirão que ele nunca esteve com uma mulher – ou um homem – o que vai justificar no flashback a leitura sexual que Joe consegue fazer. Interessante que nessa contra-analise é Seligman que ganha o foco momentâneo da câmera, que vai se aproximando cada vez mais da cara redonda do personagem.

De novo, o espectador mais atento vai notar a questão do corte que chegou ao Brasil, mas de menor expressão. Na cena em que Joe e Seligman divagam sobre um ícone russo que representa o nascimento de Jesus, existe um pulo de um momento para o outro. Existem duas percepções que podem ser aplicadas: a primeira é para encurtar pouco a pouco o filme, já que parece que ali havia uma contemplação ou um diálogo mais longo sobre o assunto que se perdeu; o outro está na própria filmografia do diretor. Em Anticristo (Antichrist, 2009), por exemplo, esse tipo de montagem chamada visível – onde a intenção é exatamente essa, notar que o que vemos não é a realidade, mas sim uma representação dela – aparece mais de uma vez. Mas no filme de 2009 ela parece com mais propósito. Seria necessário uma comparação mais profunda, mas valerá a pena rever ambos os filmes para notar isso.

Aliás, o diretor homenageia a própria filmografia em outro momento. Quando Joe – já envelhecida para ser a personagem que conta a história para Seligman – tenta reaver seu desejo perdido se entregando ao sadismo de K (Jamie Bell), ela chega ao extremo de deixar o filho sozinho em casa sem supervisão nenhuma. Nisso, a criança sai do berço numa noite que neva e começa a tocar ao fundo Lascia ch’io pianga, de Handel, a mesma música que foi usada em Anticristo quando o bebê do casal cai da sacada e morre. Sendo o diretor que é, von Trier não se repete, mas cria uma tensão pra quem conhece seus filmes.

A relação entre Joe e Jerôme cria escalas sem precedentes. Por um momento, ele cede à personalidade dela, comparando-a com uma tigresa que precisa ser alimentada e consente que ela tenha outros encontros sexuais para se satisfazer. Ela até pede carinhosamente “preencha todos os meus buracos”, e ele admite que não consegue. Parece por um momento que ele tem uma alma altruísta e que se sacrificaria pelo seu grande amor. O que não dura muito tempo, e o que dá corda para Jerôme fazer certas chantagens emocionais.

O sexto capítulo é o de maiores mudanças na protagonista. O desespero por perder a sua sensibilidade a leva ser esquecida, por isso a gravidez, e o envelhecer rápido. Num período de três anos depois do parto, a personagem deixa de ter a fisionomia de Stacy Martin para a de Charlotte Gainsbourg, ainda que as atrizes tenham quase 20 anos de diferença. Não veja isso como um exagero, porque a intenção do diretor foi evidenciar o que a perda da essência de Joe fez. Algo que ela tinha desde criança e uma ligação num misto de divino e profano. O maior paralelo que Lars von Trier faz nessa passagem de tempo é não mudar o ator que interpreta Joe. Apesar do mesmo tempo passar para os dois, Jerôme ainda tem a cara de Shia LeBouf.

É satisfatório ver a capacidade de von Trier em criar personagens interessantes. Pela duração do filme, isso acontece mais de uma vez. O já citado K tem um jeito tão peculiar de cuidar de suas cadelas, num misto de dominação, dor e respeito que é espetacular. Quando conhecemos o masoquista, notem que nenhuma das mulheres que são atendidas por ele trocam olhares, numa relação de submissão que chega ao ponto dele chamar Joe de Fido – e dar outros apelidos pejorativos às outras mulheres. Ao mesmo tempo em que ele gosta de infligir dor, K tem um carinho distorcido com elas: as ajuda a se despirem, pede um período de descanso para que se recuperem e tem chicotes separados para cada uma delas. É um personagem perturbado que leva Joe à um novo patamar de sua sexualidade. A cena de preparação do espancamento que a protagonista está prestes a levar apenas poderia ser mais longa. A demora para começar e a expectativa do que viria seria muito mais agonizante para o público.

E finalmente temos P (Mia Goth), dotada de uma beleza incomum e inocente. Quando não consegue se adaptar a um emprego normal e entender que a sociedade não a aceitaria, Joe abraça seu lado masculino. Ela trabalha como coletora de dívidas por sugestão de L (Willen Dafoe), um trabalho que é majoritariamente ocupado por homens, e se envolve com P. Essa é outra perversão, diferente da de K, mas também questionável porque a ninfomaníaca cuidou de P desde antes ela se tornar uma mulher. O que era um negócio – onde Joe passaria seu ofício quando P fosse mais velha – virou uma paixão que pela primeira vez lhe trouxe ciúmes.

O que temos neste filme é a busca que muitas outras obras repetiram. Joe procura seu lugar no universo, fora das amarras clássicas da sociedade, representada por uma árvore distorcida, pendendo ao abismo – momento em que a música original aparece pela primeira vez no filme – numa linda relação que ela teve com o pai (Christian Slater). Ela diz nos primeiros momentos da primeira parte que é uma pessoa horrível, e conta sua história para que Seligman a julgue em relação à isso.

Portanto, o ponto-chave dos dois volumes de Ninfomaníaca é exposto claramente na fala de Seligman: a sociedade não se chocaria tanto se Joe fosse um homem. E pela primeira vez todos entenderão por que uma mulher tem um nome masculino. É verdade que atualmente é mais aceitável que um homem transe com inúmeras mulheres ou com mais de uma ao mesmo tempo. Ao trazer uma mulher como protagonista, Lars von Trier dá uma tapa na cara de muita gente. As decisões de Joe foram dela e somente dela. Um dos maiores méritos do filme é a dificuldade de prever o final. Claro, pela nome dos capítulos sabemos que é uma tragédia. Mas a construção de cena dá várias possibilidades, o que não deixa de ser uma surpresa. E o demérito fica pelas cenas de sexo explícito, ainda questionáveis. Os dois filmes devem ser vistos como um só para uma nota mais justa. Por enquanto, fica essa melhora substancial que, agregada à primeira, sem dúvida melhora a experiência. Agora é esperar para a oportunidade de assistirmos tudo de uma vez e confirmar se o sentimento é esse real.


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