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NINFOMANÍACA (Nynphomaniac)


por Tiago Paes de Lira

Fazer uma análise de caso na maioria dos filmes de Lars von Trier é um desafio. Ele é um cineasta de várias qualidades, participou do projeto Dogma, e trouxe mais de uma obra notável ao cinema. Um dos mais impressionantes diretores de uma onda mais recente do cinema – com aspas enormes, já que ele dirige desde os anos 1980 – Trier apresenta outra obra controversa: pela duração de cinco horas, que comercialmente teve que ser divida em duas partes, e o sexo explícito, trazido do cinema pornográfico para as salas comuns. Esse universo tem suas qualidades, mas também grandes problemas. Além do questionamento do por que usar cenas reais e não sugeridas, o que torna a experiência em algo sujo, seria muito melhor se não houvesse a divisão, ou se ela fosse pensada na sala de montagem de outro jeito.

ATENÇÃO: Essa crítica não é recomendada para menores de 18 anos.


Joe (Charlotte Gainsbourg), uma ninfomaníaca auto-diagnosticada, é encontrada por Seligman (Stellan Skarsgård) num beco, desmaiada e ferida. Quando não consegue convencê-la a ir a um hospital ou chamar a polícia, Seligman convida Joe para que descanse em sua casa. Ele a incentiva a contar a sua história, que é narrada por uma série de capítulos – cinco na primeira parte – sobre suas aventuras e desventuras sexuais enquanto Seligman, um homem muito culto, faz relação das histórias com música, pescaria e arte.

Trier joga qualquer senso de moralidade e bons costumes para alto quando, ainda nos primeiros minutos, mistura a narração de Joe dizendo “descobri minha boceta com dois anos de idade” com uma imagem infantil. A partir daí, podemos esperar tudo, até cenas de crianças simulando uma masturbação precoce num chão molhado. Desafiador, sim. Necessário, não. Pode parecer muito, e então não se espante por ver uma sequência de pênis (muitos, obviamente por ser uma visão feminina heterossexual) e vaginas na tela. E penetração verdadeira, realizada por atores pornográficos e montadas – muito bem, diga-se de passagem – para termos a impressão de que são os atores principais que estão transando.

E não pense que o diretor está sendo leviano com essa sujeira. Pelo contrário, ela a reafirma na primeira vez da jovem Joe (Stacy Martin) com Jerôme (Shia LaBeouf), que não limpa sua mãos de graxa para transar rapidamente com a personagem. Aqui a história faz um ligação das penetrações com a sequência fibonnaci (3 e 5) que Seligman consegue fazer uma relação quase do nada, que demorar a se repetir e, quando acontece, é forçada demais.

Trier não perdeu seu tino para criar e aprofundar personagens. Com poucos minutos de filme, conhecemos as características da dupla. O encontro de Joe com Seligman num blackout, como a percepção da própria protagonista; os sons diegéticos de água e metal rangendo que aos poucos são justificados, uma trilha subitamente pesada – Führe mich, do Rammstein –; Joe dizendo que não se importava ao sentir dor – auto-infligida –; e o figurino do pijama que ela usa lembra muito no seu padrão horizontal e cores apagadas com uniformes de campos de concentração nazistas – prisioneira de sua própria condição – são momentos incríveis e especiais da produção.

Deve se notar também o desprendimento de Joe com seus personagens. Além do Pai (Christian Slater), da Mãe (Connie Nielsen) e de Jerôme, Joe se distancia de todos os personagens chamando-os apenas por uma inicial. Nem mesmo a melhor amiga, confidente e competidora sexual B (Sophie Kennedy Clarke) escapa disso. Então temos a Sra H (Uma Thurman), F (Bro), entre outras letras e pseudônimos. Além disso, mostra que Joe não tem preferências por seus parceiros. Existe uma aversão aos que mostram pouca virilidade na sua visão, com a exceção, mais vez, de Jerôme e as alegorias intermináveis que o diretor faz, nesse caso, com um garfo de bolo.

Aliás, alegorias é o que não faltam no filme. A cena do trem em que Joe e B caçam parceiros, numa brincadeira que pouco tem a ver com prazer, como é focado na cara de Joe, Seligman passa vários minutos da projeção falando sobre táticas de pescaria e noções de correntezas em rios. Poderia ser menos irritante se a narração em off de Joe não fosse praticamente eterna. É muita coisa sendo falada como suporte ao que está sendo visto, o que torna o desenvolvimento maçante. É compreensível que o personagem aproxime as histórias de Joe de sua própria realidade, tanto que ele vai chegando mais e mais perto da cama onde ela está deitada, mas é muita coisa para ser contada e parece que o diretor quer fazer tudo ao mesmo tempo.

A divisão em capítulos é uma assinatura de Lars Von Trirer, e nisso ele se sai bem. Para citar dois exemplos, o Capítulo 3 (Sra H) é o mais tenso de todos, com cortes mais rápidos e o mais claustrofóbico, por se passar inteiramente no pequeno apartamento de Joe. O Capítulo 4 (Delírio) aposta na fotografia preto e branco e numa pequena introdução de A Queda da Casa de Usher (Edgar Alan Poe) para dar mais peso e dramaticidade à situação do pai de Joe, acamado e à beira da morte. Discursos sobre a morte, a fuga de Joe no sexo (como uma droga) e a conclusão – que lembra o ditado “cada um chora por onde sente mais saudade” – é o retrato poético da pessoa que a protagonista amou incondicionalmente nesta vida.

O primeiro Volume de Ninfomaníaca fecha com um capítulo que tenta invalidar a vida que Joe levava até então. Apaixonada por Jerome, ela quer desacreditar em tudo aquilo que antes era verdade no começo do filme, onde se rebelava contra o amor. Existe outra relação que Seligman faz com as aventuras sexuais de Joe. Ao transformar a relação que ela destaca entre três amantes – de dez diários – Von Trier transformar aquele momento em música, em poesia e, apesar de exagerar de novo na pornografia, acha uma beleza na vida Joe, que infelizmente termina em sinceras lágrimas.

Ninfomaníaca – Volume 1 tem problemas estruturais, de montagem e corte. Principalmente na versão que veio para o Brasil, que não é exatamente o filme divido em duas partes. Aqui, a California Filmes recebeu apenas a versão que não teve a montagem supervisionada pelo diretor, e não foi por opção. Mesmo assim, dificilmente as duas versões terminam de jeitos diferentes, e não há nada para segurar até o Volume 2, a não ser as inserções durante os créditos de cenas do próximo filme. Melhor seria ver o filme todo de uma vez, sem a divisão imposta pelo cinema comercial. Mas o diretor sabia que isso poderia ser um entrave, e falhou ao fechar a história da primeira parte do jeito que fez. Talvez numa apreciação inteira os problemas desapareçam. Por enquanto, só podemos analisar o que temos em mãos.


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