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NOCAUTE (Knockout)


por Tiago Lira

A vida, essa coisa injusta, está aqui para dar pancada na gente. E filmes de superação não faltam para nos lembrar disso. Nocaute tem muito bons momentos, ótimas atuações e um Antoine Fuqua mostrando que sabe como se portar como diretor. O clichê do tema, tanto visitado em outros filmes, é bem claro e pode ser algum tipo de empecilho para conhecer a obra. Então, não é original, mas pelo menos é empolgante. Com uma virada inesperada e muito melancólica, o filme consegue dar seus próprios passos, ainda que de vez em quando nos lembremos de outro canhoto que também fez sucesso lutando boxe nos anos 1970.

Há uma sensação constante de tristeza na produção. Billy (Jake Gyllenhaal – quase irreconhecível) é um ótimo lutador, mas a quantidade de socos que leva no ringue, ainda que iluminado pelas luzes do holofote, trazem um olhar de pesar para Maureen (Rachel McAdams). A esposa está sempre presente na plateia e, por não poder fazer nada além de olhar, encarna um semblante triste que só vai embora quando está na tranquilidade de casa junto dele e da filha Leila (Oona Laurence). Essa melancolia é reforçada tanto pela paleta do cinematografo Mauro Fiore – usando muito da meia luz – quanto pelo figurino de Billy, predominantemente preto por praticamente dois atos.

Billy é um personagem muito interessante, e a narrativa consegue apresentar suas características no melhor jeito mostre e não fale: a sua concentração, sempre olhando para os punhos, se isolando com música, seu jeito jocoso de ser com os adversários, suas tatuagens (nascimento da filha, nomes, pai, lutador) e uma das coisas mais marcantes, que mistura um problema fisiológico com um psicológico, que é quando Billy começa a cuspir sangue depois da luta da abertura, mesmo depois de horas do fato. Literalmente, ele pode ter algum tipo de hemorragia não controlada, mas não podemos ignorar uma leitura subjetiva, a impressão de que algo está muito errado por dentro do boxeador.

A virada do primeiro para o segundo ato é um soco no estômago da audiência e, obviamente, para o próprio Billy. Ouvindo as pessoas erradas, como o agente Jordan (Cent Jackson) e afogado nesse mar de tristeza – perceba que Fuqua coloca o lutador constantemente isolado, seja no ginásio, em casa ou no pequeno apartamento para o qual ele tem que se mudar –, Billy parece encarnar o próprio Ceifador, como podemos notar nas cenas em que ele usa um capuz para esconder o rosto e os próprios propósitos de vingança. E é na câmera subjetiva, bem usada pelo diretor, que sentimos a perda de foco do protagonista.

A mudança do personagem finalmente vem e é seguida de perto pelo novo treinador Tick (Forest Whitaker), um homem experiente e tão amargurado quanto Billy, com seu visual mais bagunçado, triste e acabado. Como tantos outros mentores, ele não deve ser julgado pelo tamanho ou aparência. Billy, que perdeu a guarda da filha, busca redenção e Fuqua vai aos poucos mudando a personalidade do personagem no mesmo estilo que o apresentou no começo. Agora, Billy usa menos figurionos pretos, passando por cinza e eventualmente usando luvas brancas na luta final. Também há uma mudança de atitude no estilo de luta, agora cortes de câmera mais longos e menos sangue pingando na tela.


Outros elementos interessantes que completam a psique dos personagens são o olho constantemente inchado de Billy – que faz um paralelo com o cego que Tick tem –, a Bíblia que o treinador sempre segura, e a postura de Jordan tão detestável, porém crível, e a lucidez e o brilho que Maureen trazia são bem definidos por Fuqua. O slow motion nas percepções de Hope ou as duras palavras que a filha usa com ele também são marcantes. O problema reside na construção do oponente Miguel (Miguel Gomez), exageradamente cretino sem necessidade, principalmente no embate final contra Billy.

Conseguindo misturar tensão e momentos muito doces, sendo ótimos exemplos os que precedem a luta final e logo depois dela – de um lado a tensão do vestiário, e do outro quando a câmera, que é o espectador, se afasta de Billy e Leila – mostram que Fuqua é um bom diretor. Nocaute tem situações que já vimos em outros lugares e mesmo assim está longe de ser esquecível. As comparações serão inevitáveis, e a estrutura do roteiro em si vai contribuir para isso. Ainda assim, você poderá apreciar o filme, seja tratando-o como uma homenagem a Rocky ou se deixando levar pela mensagem de superação.


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