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AMOR (Amour)


 

por Rogério de Moraes

Mesmo quando fala da condição delicada do amor, Michael Haneke o faz pelo viés do sofrimento. Acusado algumas vezes de sádico ao impor uma espécie de tortura do espectador em seus filmes, o diretor austríaco exige sempre de seu público a vontade necessária para suportar a angústia. Seja essa angústia de cunho claramente violento, como em Violência Gratuita (1997), seja de terror psicológico, como em Caché (2005), seja na exploração na natureza de um mal atávico em A Fita Branca (2009).

Em Amor, Haneke lança seu olhar para o envelhecimento ao retratar a
vida de um casal de idosos. Aspectos como compaixão, sofrimento, solidão e eutanásia são as linhas mestras que conduzem esse drama.
Indicado duplamente a Oscar de melhor filme (concorre ao mesmo tempo ao prêmio de melhor filme e de melhor filme estrangeiro), Amor retrata um processo degenerativo na vida do casal, quando um deles adoece irremediavelmente.

Na estrutura narrativa, o diretor concentra-se na intimidade do casal. Apresenta elipses entre um agravamento e outro da doença, mantendo sempre tesa a linha do drama. Dentro do apartamento onde vive o casal, cresce uma tensão aflitiva, um tipo de aprisionamento por sobre outro aprisionamento. Ali, o espaço da convivência de uma vida em comum e ali também o espaço de uma relação afetuosa que se desdobra pelo cuidado, mas também pela verdade do transtorno de quem sofre e de quem vê sofrer.


Para dar estofo dramático a essa profunda jornada de amor e solidão, Haneke coloca em cena o peso de três nomes sem os quais não se conta a história do cinema francês. Jean-Louis Trintignant, Emmanuelle Riva e Isabelle Huppert são, respectivamente, marido, esposa e filha. Esta última com aparições pontuais, que mais enfatizam a solidão do casal do que a possibilidade de compartilhamento do fardo dessa solidão. Mas são as atuações de Trintignant e Riva que dão ao filme sua força de assombro dolorido e a sensibilidade crua típica do cinema de Haneke.





Um cinema que tem na sua veia a polêmica, aqui representada pela discussão da eutanásia. Mas como a obviedade é fator escasso na obra do diretor, essa discussão se apresenta pela surpresa, construída de forma delicada e sensível, mas sempre com traços de uma brutalidade humana, que mesmo revestida de amor, não se torna menos brutal para quem assiste, nem para quem executa.


Para dimensionar e multifacetar essa delicada brutalidade, constrói-se um drama do qual também somos vítimas e testemunhas do sofrimento. Habita aí o aspecto recorrente do cinema de Haneke, que é o de nos fazer passar pelo filme não apenas como espectadores passivos, mas como cúmplices da violência e da inquietude. Sempre com uma perspectiva que nos desconcerta e aflige. Disso não escapamos em Amor, que ao construir suas cenas transmite com dolorosa verdade a intensidade de cada momento.


Amor é filme que fala do fim da vida, da dignidade que merecemos ao chegar perto desse fim e que nem sempre nos é reservada. Seu sentimento de mundo é a solidão inevitável da velhice, é um aprisionamento do corpo ante o descompasso de querer liberdade e de querer libertar.


Por isso o amor de Haneke não é idílico, como também não é cínico. É um amor feito de verdade, com sentimentos que vão além da beleza simples e traduzem a complexidade do que é real e humano. Mais do que sobre o amor, é um filme sobre a liberdade e sobre o que cabe nessa palavra quando vista pelo olhar do tempo que se estende mais do que a vida e o sentimento suportam.
 
 

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