Tecnologia do Blogger.
RSS


 por Rogério de Moraes
 
Livros de história podem nos ensinar sobre os fatos de uma época. Porém, tornam-se falhos quando se trata de transmitir o espírito de um tempo. Esse “sentimento de uma época” é uma percepção muito mais ligada ao cotidiano do detalhe do que aos grandes acontecimentos. Porque saber das coisas é muito diferente de sentir as coisas.
 
Pois é pelo viés do “sentimento das coisas” que se monta Infância Clandestina, filme argentino dirigido por Benjamín Ávila e que foi o escolhido pelo país para tentar uma vaga entre os indicados ao Oscar de filme estrangeiro.
 
Baseado em fatos reais, o filme traduz pelo sentimento uma época sombria da história argentina: a ditadura militar – um câncer político que se espalhou por países latino-americanos na segunda metade do século 20.
 
Contudo, mais que político, Infância Clandestina é um filme sobre o amor e sobre a perda da inocência. Porque será dentro do encanto infantil, da descoberta do sentimento em meio a uma vida conturbada, que se revelará a aspereza de um tempo.
 
A figura em torno da qual se desdobrará tais descobertas é o jovem Juan (Teo Gutiérrez Romero), filho de pais ativistas políticos de esquerda. A família retorna ao país clandestinamente depois de um tempo exilados. Planejam ações armadas contra o governo militar. Juan, de não mais que 12 anos, acompanha os pais. Deve usar nome e documentos falsos. Chama-se agora Ernesto e deve fingir ser de Córdoba.
 
É entre esse sentimento de dever clandestino e as descobertas naturais da infância que o jovem Juan se equilibra. Ele entende seu dever sem questionar, inspirado pelos pais e pela figura do tio, também um revolucionário.
 
Ao mesmo tempo, Juan passará pela experiência do primeiro amor, sentimento que vai aflorar no convívio escolar, através da figura de María (Violeta Palukas). Entra aí a delicadeza do filme ao construir essa relação de inocência típica da idade, com frios na barriga, hesitações e o descobrimento de desejos antes desconhecidos. Na condução dessa narrativa, o diretor equilibra todos os tons de forma suave, mas sem roubar da atmosfera a intensidade que ela exige por ser também retrato de um tempo cheio de perigos. A inteligência do filme reside na forma como este matiza a vida de Juan, como transmite uma estranha naturalidade em seu cotidiano incomum.
 
 
 
Tão jovem, ter a firmeza de sustentar uma identidade falsa. Mas também manter com os pais a mais natural das relações de qualquer infância. Neste cotidiano de aparência comum, o convívio com armas, reuniões em que as pessoas chegam vendadas, planos de fuga no caso de serem descobertos.
 
Todo um clima de incerteza, toda a tensão da guerrilha presentes nesta infância. Uma infância que tem ainda de lidar com a descoberta do amor e toda inocência do sentimento que surge nesta idade. Através disso, o filme nos envolve com o clima de uma infância sob o clima de um tempo. Está ali o sentimento de uma época, mas não transmitido pela ótica de adultos, cujas memórias serão sempre secas. Mas pela ótica da iniciação, filtrada pelo sentimento da infância, cuja tradução manterá sempre um pouco de ingenuidade adocicada. Porém, no caso de Juan, guardará também a secura e o amargor de um tempo duro, que o marcará pela violência e pela perda mais dolorosa.
 
 

  • Digg
  • Del.icio.us
  • StumbleUpon
  • Reddit
  • RSS

0 comentários:

Postar um comentário